O 8 de Março no Brasil
No
Brasil vê-se repetir a cada ano a associação entre o Dia Internacional da
Mulher e o incêndio na Triangle, quando na verdade Clara Zetkin o tenha
proposto em 1910, um ano antes do incêndio. É muito provável que o sacrifício
das trabalhadoras da Triangle tenha se incorporado ao imaginário coletivo da
luta das mulheres. Mas o processo de instituição de um Dia Internacional da
Mulher já vinha sendo elaborado pelas socialistas americanas e europeias há
algum tempo e foi ratificado com a proposta de Clara Zetkin.
Nas
primeiras décadas do século XX, o grande tema político foi a reivindicação do direito
ao voto feminino. Berta Lutz, a grande líder sufragista brasileira, aglutinou
um grupo de mulheres da burguesia para divulgar a demanda. Ousadas, espalharam
de avião panfletos sobre o Rio de Janeiro, pedindo o voto feminino, no início
dos anos 20! Pressionaram deputados federais e senadores e se dirigiram ao
presidente Getúlio Vargas. Afinal, o direito ao voto feminino foi concedido em
1933 por ele e garantido na Constituição de 1934. Mas só veio a ser posto em
prática com a queda da ditadura getulista, e as mulheres brasileiras votaram
pela primeira vez em 1945.
Em
1901, as operárias, que juntamente com as crianças constituíam 72,74% da mão-de-obra
do setor têxtil, denunciavam que ganhavam muito menos do que os homens e faziam
a mesma tarefa, trabalhavam de 12 a 14 horas na fábrica e muitas ainda trabalhavam
como costureiras, em casa. Como mostra Rago, a jornada era de umas 18 horas e
as operárias eram consideradas incapazes física e intelectualmente. Por medo de
serem despedidas, submetiam-se também à exploração sexual.
Os
jornais operários, especialmente os anarquistas, reproduziam suas reclamações contra
a falta de higiene nas fábricas, o assédio sexual, as péssimas condições de
trabalho, a falta de pagamento de horas extras, um sem número de abusos. Para
os militantes operários, a fábrica era um local onde as mulheres facilmente se
prostituíam, daí reivindicarem a volta das mulheres para casa. Patrões, chefes
e empregados partilhavam dos mesmos valores: olhavam as trabalhadoras como
prostitutas.
Entre
as militantes das classes mais altas, a desqualificação do operariado feminino não
era muito diferente: partilhavam a imagem generalizada de que operárias eram mulheres
ignorantes e incapazes de produzir alguma forma de manifestação cultural. A distância
entre as duas camadas sociais impedia que as militantes burguesas conhecessem a
produção cultural de anarquistas como Isabel Cerruti e Matilde Magrassi, ou o
desempenho de Maria Valverde em teatros populares como o de Arthur Azevedo.
Como
as anarquistas americanas e européias, as brasileiras (imigrantes ou não)defendiam
a luta de classes mas também o divórcio e o amor livre, como escrevia A Voz do Trabalhador
de 1° de fevereiro de 1915: “Num mundo em que mulheres e homens desfrutassem de
condições de igualdade... Vivem juntos porque se querem, se estimam no mais
puro, belo e desinteressado sentimento de amor”.
A
distinção entre anarquistas e comunistas foi fatal para uma eventual aliança: enquanto
as comunistas lutavam pela implantação da “ditadura do proletariado”, as anarquistas
acreditavam que o sistema partidário reproduziria as relações de poder, social e
sexualmente hierarquizadas.
No
PC a diferenciação de gênero continuava marcante: as mulheres se encarregavam das
tarefas ‘femininas’ na vida quotidiana do Partido. Extremamente ativas,
desenvolveram ações externas de organização sem ocupar qualquer cargo
importante na hierarquia partidária. Atuavam, por exemplo, junto a crianças das
favelas ou dos cortiços, organizavam colônias de férias, supondo que poderiam
ensinar às crianças novos valores.
Zuleika Alembert, a primeira mulher a fazer
parte da alta hierarquia do PC, eleita deputada estadual por São Paulo em 1945,
foi expulsa do Partido quando fez críticas feministas denunciando a sujeição da
mulher em seu próprio partido.
O
feminismo dos anos 60 e 70 veio abalar a hierarquia de gênero dentro da
esquerda. A luta das mulheres contra a ditadura de 1964 uniu, provisoriamente,
as feministas e as que se autodenominavam membros do ‘movimento de mulheres’. A
uni-las, contra os militares, havia uma data: o 8 de Março. A comemoração
ocorria através da luta pelo retorno da democracia, de denúncias sobre prisões
arbitrárias, desaparecimentos políticos.
A
consagração do direito de manifestação pública veio com o apoio internacional –
a ONU instituiu, em 1975, o 8 de Março como o Dia Internacional da Mulher.
Entrou-se
numa nova etapa do feminismo. Mas velhos preconceitos permaneceram nas
entrelinhas. Um deles talvez seja a confusa história propalada do 8 de Março,
em que um anti-americanismo apagava a luta de tantas mulheres, obscurecendo até
mesmo suas origens étnicas.
Texto: 8 DE MARÇO: CONQUISTAS E CONTROVÉRSIAS
De EVA ALTERMAN BLAY
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